As entidades do Movimento da Reforma
Sanitária que subscrevem essa nota, entendendo a gravidade da situação da saúde
no país e a necessidade que o processo de desenvolvimento reposicione o lugar
do direito à saúde manifestam sua profunda preocupação com a remessa, pelo
Congresso Nacional, do Projeto de Lei de Conversão nº 18 de 2014 (da Medida
Provisória nº 656 de 2014), à sanção presidencial, e cientes de sua
responsabilidade política alertam o Governo e a sociedade, ao mesmo tempo em
que solicitam o veto presidencial ao texto que autoriza o investimento na saúde
de capital estrangeiro.
A
velha estratégia da aprovação da Lei por “Barriga de Aluguel”
A Câmara dos Deputados aprovou em
17/12/2014, a Medida Provisória nº 656 de 2014, encaminhando-a ao Poder
Executivo Federal como o Projeto de Lei de Conversão nº 18 de 2004. A Medida
Provisória nº 656 de 2014, editada pela Presidenta da República, inicialmente
pretendia reajustar a tabela do Imposto de Renda e outras matérias civis
tributárias e financeiras. Porém, a MP foi transformada numa colcha de retalhos
com a inclusão de trinta e dois temas alheios à proposta: inclusive matérias
que não têm qualquer pertinência com tributação, tais como, um novo
parcelamento das dívidas de clubes de futebol com a União e de empresas de
radiofusão; o programa de estímulo à aviação regional; a autorização para a
construção de um aeroporto privado na região metropolitana de São Paulo,
licitação pública, estatuto do servidor público federal, Anvisa, autorização
para o capital estrangeiro investir no setor da saúde; entre outros.
Com a autorização da entrada de capital
estrangeiro no setor de saúde, empresas de fora do país poderão instalar ou
operar hospitais (inclusive filantrópicos) e clínicas, além de executar ações e
serviços de saúde. Atualmente, o capital estrangeiro está restrito aos planos
de saúde, seguradoras e farmácias.
Texto do Projeto de Lei de Conversão nº 18
de 2014:
CAPÍTULO XVII
DA ABERTURA AO CAPITAL ESTRANGEIRO NA
OFERTA DE SERVIÇOS À SAÚDE
Art. 142. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro
de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 23. É permitida a participação direta
ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na
assistência à saúde nos seguintes casos:
I – doações de organismos internacionais
vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica
e de financiamento e empréstimos;
II – pessoas jurídicas destinadas a
instalar, operacionalizar ou explorar: a) hospital geral, inclusive
filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica
especializada; e
b) ações e pesquisas de planejamento
familiar;
III – serviços de saúde mantidos, sem
finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e
dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e
IV – demais casos previstos em legislação
específica.” (NR)
“Art. 53-A. Na qualidade de ações e
serviços de saúde, as atividades de apoio à assistência à saúde são aquelas
desenvolvidas pelos laboratórios de genética humana, produção e fornecimento de
medicamentos e produtos para saúde, laboratórios de analises clínicas, anatomia
patológica e de diagnóstico por imagem e são livres à participação direta ou
indireta de empresas ou de capitais estrangeiros.”
Porém, as entidades alertam que por quatro
razões jurídicas o Projeto de Conversão de Lei nº 18 de 2014 não pode
prosperar, ofende a Constituição Federal, a Lei nº 8.080 de 1990, a Lei
Complementar nº 95 de 1998 e a Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional,
como se demonstrará.
Fere
a Constituição Federal:
art.199 § 3º “É vedada a participação
direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde
no País, salvo nos casos previstos em lei”;
Ignora
a Lei 8.080 de 1990
Cumpre denunciar a supressão, no Projeto de
Lei de Conversão, do § 1º do atual art. 23 da Lei 8.080 de 1990:
Art. 23. É vedada a participação direta ou
indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo
através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das
Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e
empréstimos.
§ 1° Em qualquer caso é obrigatória a
autorização do órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS),
submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos
que forem firmados.
Fere
a Lei Complementar nº 95 de 1998
No plano legal há que se apontar o
desrespeito do Projeto de Conversão nº 18 de 2014 ao previsto nos arts. 1º e 7º
inciso II, da Lei Complementar nº 95 de 1998, verbis:
Art. 1º A elaboração, a redação, a
alteração e a consolidação das leis obedecerão ao disposto nesta Lei
Complementar.
Parágrafo único. As disposições desta Lei
Complementar aplicam-se, ainda, às medidas provisórias e demais atos normativos
referidos no art. 59 da Constituição Federal, bem como, no que couber, aos
decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder
Executivo.
Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará
o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes
princípios:
I – excetuadas as codificações, cada lei
tratará de um único objeto;
II – a lei não conterá matéria estranha a
seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III – o âmbito de aplicação da lei será
estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento
técnico ou científico da área respectiva;
IV – o mesmo assunto não poderá ser
disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a
complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão
expressa.
A
caracterização do artifício conhecido como" Barriga de Aluguel"
Originariamente a Medida Provisória nº 656
de 2014, tratava de três assuntos: direito tributário, direito financeiro e
direito civil. O Projeto de Conversão nº 18 de 2014, introduziu mais 29
assuntos diferentes! Inclusive o que é aqui tratado. Se não for vetado pela
Presidenta da República desafiará, certamente, controle judicial.
Fere
a Resolução nº 1 de 2002, do próprio Congresso Nacional
Na mesma esteira o Projeto de Conversão
passou ao largo do disposto no art. 4º, § 4º, da Resolução nº 1 de 2002, do
Congresso Nacional (que tem estatura de Lei Ordinária):
Art. 4º Nos 6 (seis) primeiros dias que se
seguirem à publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União, poderão
a ela ser oferecidas emendas, que deverão ser protocolizadas na
Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal.
(omissis)
§ 4º É vedada a apresentação de emendas que
versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao
Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.
Desta forma, o texto da MP 656 de 2014,
desrespeita o texto constitucional que previa que o capital estrangeiro na
assistência à saúde participaria apenas em casos de exceção e não em regra.
Existe uma desvirtuação do texto constitucional, do texto da lei orgânica da
saúde – Lei nº 8.080 de 1990 da Lei Complementar nº 95 de 1998 e da Resolução
nº 1 de 2002 do Congresso Nacional.
Subscrevem este documento
Centro Brasileiro
de Estudos da Saúde – Cebes
Associação
Brasileira de Economia da Saúde – Abres
Associação
Brasileira da Saúde Coletiva – Abrasco
Associação do
Ministério Publico para a Saúde – Ampasa
Associação
Brasileira de Saúde Mental – Abrasme
Instituto de Direto
Sanitário Aplicado – Idisa
Associação Paulista
de Saúde Publica – APSP
Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética
Fonte:
Cebes