À margem das
manifestações que tomaram o país desde a semana passada, iniciadas com a
demanda pela redução do preço das passagens de ônibus e que cresceram para uma
série de reivindicações, alguns partidos brasileiros reconheceram ontem que se
afastaram do diálogo com os populares. Excluídos da organização e rejeitados
até mesmo quando tentaram participar, alguns dirigentes e lideranças admitiram
que precisarão repensar o modo de fazer política e ouvir o clamor das ruas. Há
também quem considere que o formato da revolta não tenha trazido um recado para
as legendas. Diante da massa de brasileiros, o que se tornou unânime foi o
apoio de todos os políticos que se posicionaram.
Até
mesmo o pequeno PSOL, com sete anos de existência, admite: os partidos erraram.
“As formas políticas tradicionais não são percebidas por essa moçada como
sensíveis às suas demandas. Essa expressão ‘não me representa’, que é
permanente no Brasil, é muito concreta. É um desafio de todos, mesmo os
partidos menores de esquerda. É preciso se despir dessa linguagem burocrática e
deixar esse contato com as grandes corporações de dinheiro”, afirmou o deputado
Chico Alencar (PSOL/RJ). Como o movimento era apolítico, Alencar arriscou-se a
participar da caminhada na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, mas sem
escudo ou bandeira do partido.
O
mesmo não fez o PSTU, que viu suas bandeiras quebradas ao “penetrar” nas
manifestações pelo país. “É progressivo o sentimento dessas pessoas contra os
partidos e os políticos, porque o que conhecem é essa bandalheira e corrupção
dos partidos tradicionais. Infelizmente a maioria não diferencia de partidos
como o PSTU, que está na luta com o povo”, afirmou o presidente do PSTU, Zé
Maria. O dirigente atribuiu a rejeição nas ruas a “punks, anarquistas”: “Os
mesmos pelos quais há anos lutei para terem liberdade de expressão hoje querem
tirar o nosso direito de existir, mas continuarei lutando pelo direito de
manifestação, o deles e o nosso”.
Já
para o presidente do PT de Minas Gerais, deputado federal Reginaldo Lopes, as
manifestações tiveram um caráter mundial, começando na Inglaterra. Ele atribuiu
a exclusão dos partidos e o direcionamento contra os políticos à ausência de
posicionamento dos congressistas sobre temas relevantes para a sociedade,
como o aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo. “O Legislativo abriu
mão de ter posições sobre temas conflitantes e isso leva a sociedade a essa
rejeição. Também há um movimento sincronizado da mídia de desqualificar a
imagem do Parlamento”, avalia. Lopes admite que “os partidos precisam estar
mais vivos e presentes no seio da sociedade”. Já o presidente do PMDB, senador
Valdir Raupp, afirmou que as legendas foram excluídas dos protestos “porque era
um movimento apolítico” e não vê falhas no relacionamento com a população. “O
meu partido nasceu como um movimento democrático que ganhou as ruas. Não é um
partido distante da sociedade”, disse.
No
campo oposto, o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado, acredita que os novos
meios de comunicação deram aos populares a chance de assumir o protagonismo ao
se manifestar e as legendas não souberam acompanhar isso. “Não é uma coisa de
hoje, já sentíamos que os partidos atualmente não estão se comunicando nem
vocalizando o sentimento da população”, disse. Para Caiado, o Congresso tem que
entender que a pauta agora será essa que colocaram nas ruas”, afirmou.
Três
perguntas para...
Márlon
Reis - Juiz coordenador do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral
Por que os partidos
foram excluídos da onda de protestos?
O
que acontece é que a política tradicional está ruindo. A representação como foi
constituída historicamente não convence mais e passa essa situação de
insatisfação, porque os brasileiros não se sentem devidamente representados. Um
indicativo simbólico foi o fato de os movimentos terminarem nas sedes do
Legislativo, chama atenção porque o Parlamento é a caixa de ressonância da
sociedade.
Onde os partidos
erraram?
Não percebendo que
a estrutura política brasileira é similar à do século 19, temos um modelo de
representação muito caciquista, que concentra nas mãos de poucos as decisões.
Sob pena de a situação se agravar, os partidos precisam imediatamente dar
sinais de capacidade de compreensão desse momento.
E por que pautas
tão diferentes foram apresentadas?
Não vale cobrar uma
bandeira, porque a pauta é a própria inconformidade com o fato de não ser
ouvido. É um grande grito por falar. Os movimentos políticos brasileiros, tanto
os históricos quando os atuais, fundados em estruturas hierárquicas, não
conseguem compreender essa manifestação de grupos horizontais.
Fonte: Estado de Minas
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